- Ailton Segura
PLANARES - QUE PLANO É ESTE? A QUEM ELE DEVE SERVIR?
Heliana Kátia Tavares Campos
Maria de Fátima Abreu
Gina Rizpah Besen

Aeducação ambiental ficou de fora do Planares das emresas.
O CONTROLE SOCIAL E A GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS - O ano de 2007 representa um divisor de águas na definição de uma questão que sempre gerou dúvidas e diferentes interpretações na nossa sociedade. O que efetivamente é o controle social? Uma reunião? Uma audiência pública? Uma divulgação sobre um estudo no site, na mídia, em um carro de som em vias públicas? A exposição dos dados do SNIS ? Ou seria uma consulta pública?
Enquanto a ditadura militar instalada no Brasil (1964/1984) restringiu e controlou a liberdade de expressão e a associação de indivíduos, de grupos sociais e políticos, a Constituição Cidadã de 1988 declara que o Brasil é um Estado Democrático de Direito e a cidadania é um de seus fundamentos (art. 1º, II). Institui também um conjunto de mecanismos necessários ao seu exercício e determina que a Gestão Pública obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e destaca o chamado direito à participação, a ser regulamentado por meio de lei (art.37, §3°).
Neste afortunado ano de 2007 a Lei 11.445 inaugura no sistema legislativo brasileiro a regulamentação que previu a CF sobre o direito à participação social e estabelece em seu Art. 2º, inciso X, que os serviços públicos de saneamento básico serão prestados baseados em princípios e, entre esses, o controle social.
O conceito definido nesta Lei não poderia ser mais claro e preciso: controle social: conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de formulação de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos de saneamento básico (Artigo 3º, Inciso IV). A Lei 12.305 de 2010 da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) repete o conceito para as políticas públicas relacionadas aos resíduos sólidos, e a Lei 14.026 de 2020 não o altera.
O legislador foi claro, específico, direto, curto e não deixou margem para dúvidas. Pela primeira vez no Brasil fica definido em Lei o que é o “controle social”, pondo fim a uma gama de interpretações existentes até então e que dependia da vontade do gestor público (os que consideravam ou não importante ouvir a opinião da sociedade) na elaboração dos Planos de Saneamento e de Gestão dos Resíduos Sólidos.
Observe que a participação social deve se dar desde o processo da formulação do Plano, portanto antes mesmo de se elaborar o diagnóstico, como ocorrido no Plano Nacional de Resíduos Sólidos aprovado em 2012 e que só não foi publicado devido à necessidade de aprovação por um conselho do Ministério da Agricultura que não se reunia. Da mesma forma, na retomada da atualização do Plano em 2018, também foi feito o devido processo participativo, envolvendo várias entidades.
Inúmeros foram os decretos que trataram do assunto da participação social regulamentando as leis dos diversos segmentos técnicos do País. No entanto, na contra mão da participação e do controle social, em 18 de dezembro de 2019 foi publicado o Decreto 10.179 que revoga todos os decretos ou artigos de decretos que preveem as formas e a composição das instituições para a organização da participação social nas políticas públicas no Brasil.
Foram ao mesmo tempo neste único ato revogados parcial ou integralmente 215 decretos eliminando todos os artigos que definiam a criação de conselhos e outras formas de organização, participação e controle social no Brasil, nas mais diversas áreas, tentando assim voltar ao período pré-Constituição Cidadã. No caso dos resíduos foi revogado o Art. 3º do Decreto 7404/2010 que propunha a constituição e composição do Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Portanto, o governo federal, em 2019, eliminou em um único decreto todas as regulamentações e composições de comissões, comitês, conferências que promoviam e incentivavam a participação social. Mas, felizmente, não foi possível fazer o mesmo procedimento com relação às Leis, que só podem ser alteradas pelo Congresso Nacional, e que ainda guardam o comprometimento com a Constituição cidadã e o Estado Democrático de Direito.
Felizmente é o caso da Lei 12.305/2010 que em seu Parágrafo Único do Art. 15 define que: O Plano Nacional de Resíduos Sólidos será elaborado mediante processo de mobilização e participação social, incluindo a realização de audiências e consultas públicas.
Esse direito permanece no Parágrafo 1º do Art. 45 do Decreto 7404 de 2010 onde se define que o “Ministério do Meio Ambiente e os demais órgãos competentes darão ampla publicidade, inclusive por meio da rede mundial de computadores, à proposta preliminar, aos estudos que a fundamentaram, ao resultado das etapas de formulação e ao conteúdo dos planos referidos no Capítulo II deste Título, bem como assegurarão o controle social na sua formulação, implementação e operacionalização, observado o disposto na Lei no 10.650, de 16 de abril de 2003, e na Lei no 11.445, de 2007.
Permaneceu ainda no Decreto 7.404/2010 em seu Art. 53. § 1º que o Plano Nacional de Resíduos Sólidos deverá ser elaborado de forma articulada entre o Ministério do Meio Ambiente e os demais órgãos e entidades federais competentes, sendo obrigatória a participação do Ministério das Cidades na avaliação da compatibilidade do referido Plano com o Plano Nacional de Saneamento Básico. Entretanto, no Plano disponibilizado não consta que houve esta articulação.
FATOS RELATIVOS AO PROCESSO DE ELABORAÇÃO DO PLANARES - PLANO NACIONAL DE RESÍDUOS SOLIDOS

O Ministro do Meio Ambiente assinou, no último dia 31 de julho de 2020, a portaria que instituiu a consulta pública sobre o Plano Nacional de Resíduos Sólidos - PLANARES, elaborado para o período 2020- 2040.
Publicado com a logo do Ministério do Meio Ambiente e do Governo Federal, sem data, no sítio eletrônico do MMA, e com conteúdo até então totalmente desconhecido pela sociedade, o Plano traz em sua INTRODUÇÃO, na página 4, parágrafo 6: “Com esta perspectiva, a Secretaria de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente tem coordenado o processo de elaboração do Planares 2020, por meio o Acordo de Cooperação com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – ABRELPE.
EMPRESAS PRVADAS CUIDAM DE
AÇÕES EM CAUSA PRÓPRIA
A coordenação geral e técnica são atribuídas ao MMA e como equipe técnica são listados nomes de profissionais do MMA e da ABRELPE. A ABRELPE é uma Associação de Empresas Privadas voltada à criação e ampliação do mercado de gestão de resíduos e sua colaboração com o poder público se dá na busca de condições adequadas à atuação das empresas a ela vinculadas. Portanto, claro está que seu interesse é na melhoria das condições de atuação das empresas a ela vinculada. Além disso, é uma das quatro associações setoriais que compõem a frente empresarial FBRER (Frente Brasil de Recuperação Energética de Resíduos), criada em junho deste ano, com o objetivo de criar mercado para este setor no Brasil.
Fica evidente que não se trata, portanto, de uma instituição que represente a sociedade brasileira em suas diversas facetas e áreas de atuação, cuja colaboração com o poder público deve se dar na busca do interesse público e não de um setor privado. Dessa forma, a elaboração do Plano Nacional dos Resíduos deve ser conduzida por instituição neutra e imparcial, que busque viabilizar a universalização dos serviços de limpeza urbana e o manejo dos resíduos com o uso de tecnologias consolidadas e adequadas a cada realidade e de modelos de gestão apropriados, no sentido de melhorar a qualidade de vida e de saúde da população brasileira e do meio ambiente, além de adequar os custos dos serviços à realidade e condições econômico-financeiras da população
“A ABRELPE foi fundada em 1976 por um grupo de empresários pioneiros nas atividades de coleta e transporte de resíduos sólidos, voltada à criação, à ampliação, ao desenvolvimento e ao fortalecimento do mercado de gestão de resíduos, em colaboração com os setores público e privado, em busca de condições adequadas à atuação das empresas.”
. As formas de participação da sociedade por meio eletrônico neste período de pandemia tem se mostrado extremamente eficiente, democrática e tem inclusive aumentado de forma exponencial a participação dos interessados nos processos de discussão. Um exemplo é o extraordinário número de webinares realizados pela ABES e outras entidades discutindo os 10 anos da Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Lei 14.026 que altera o marco legal do saneamento e num período curto já teve mais de 115 mil participantes. Outro exemplo é dado pelo próprio MMA que tem realizado as reuniões do CONAMA por meio eletrônico sem prejuízo da participação de seus membros.
A ausência da sociedade desde o início do processo na formulação do modelo do plano, na elaboração do diagnóstico, dos cenários, das metas, diretrizes, programas e normas fica clara ao ler a versão publicada do PLANARES no site do MMA. É difícil entender o que levou o MMA a assinar um Termo de Cooperação sem ônus financeiro com uma associação de empresas privadas, prestadoras de serviços de Limpeza Urbana e de Manejo dos Resíduos Sólidos para elaboração de um Plano a ser cumprido pelo Poder Público Local (municípios e o distrito federal). Os futuros contratados elaborando o Plano e definindo o que deve ser a reponsabilidade dos contratantes é no mínimo surreal. Além disso, o interesse explícito da entidade que elabora o Plano em criar mercado para tecnologias de recuperação energética de resíduos em detrimento de tecnologias mais apropriadas à realidade brasileira, também é muito questionável. Nesse sentido, pergunta-se, o que se poderia esperar do conteúdo desse Plano? É o que veremos a seguir.
A REPRESENTAÇÃO DE 73 ENTIDADES
SOBRE A ELABORAÇÃO DO PLANARES
Considerando o vício do processo, as inconsistências e ainda a ausência de temas da maior relevância para o setor de resíduos sólidos, 73 entidades protocolaram em 18 de setembro de 2020 junto ao MPF uma REPRESENTAÇÃO para a impugnação do processo por desconsiderar a constituição brasileira, ferindo a Política Nacional de Resíduos Sólidos e os princípios do Estado Democrático de Direito.
Nessa REPRESENTAÇÃO, protocolada na 4ª Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural ao Exmo. Sr. Procurador da República Dr. Juliano Baiocchi Villa-Verde de Carvalho, 73 entidades solicitam providências para que essas irregularidades possam ser sanadas, pra que haja o cumprimento da Legislação pertinente com os ritos necessários à efetiva participação e colaboração dos diversos segmentos da sociedade na elaboração do Plano Nacional de Resíduos Sólidos.
SOBRE O CONTEÚDO DO PLANARES
PUBLICADO PELO MINISTÉRIO MEIO AMBIENTE
A Câmara Temática de Resíduos Sólidos da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES, por meio de seu Grupo de Trabalho para a análise do PLANARES, com a contribuição de outras instituições, identificou, além deste que é o mais relevante problema – a condução do processo para a sua elaboração –, outros aspectos muito importantes.
Há na versão publicada do PLANARES uma nítida priorização de interesses privados em detrimento dos públicos, algumas ausências de conteúdos que são basilares e de natureza essencial para as melhorias necessárias para a gestão adequada dos resíduos sólidos no Brasil, além de um forte viés de tratamento dos resíduos de forma a priorizar a valorização energética defendida sobretudo pela iniciativa privada.
A seguir são registrados alguns destes conteúdos que foram “esquecidos” ou tratados de forma muito superficial.
DEZ PECADOS CAPITAIS DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE